A Hora do Conto

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Porque ler É o melhor remédio.

 

Há cerca de duas semanas, e como quem me conhece provavelmente saberá, fui à Hora do Conto na biblioteca de Faro. Todos os dias, às dezoito horas, são lidas histórias para crianças de todas as idades, numa sala preparada para o efeito, onde os miúdos se podem sentar bem perto e, se para aí estiverem virados, interagir com a contadora. E que contadora!

Quando alguém faz seja o que for com paixão, isso nota-se. A contadora consegue encantar as crianças e interessar os pais, enquanto folheia histórias e descreve aventuras mágicas.

Fiquei a saber que, às quintas-feiras, os pais também podem participar e, se assim entenderem, serem os contadores.

Diria, entretanto, que tenho pena de não ter descoberto este evento mais cedo, mas não vou fazê-lo. Os tempos mudaram e, se bem que a divulgação poderia ser melhor, há uma tendência generalizada a esquecer coisas boas, como esta, que sobrevivem a qualquer intempérie digital. Não há desenho animado ou boneco virtual que substitua um bom contador de histórias. Também não há canal de televisão nem vídeo do Youtube que chegue aos calcanhares de uma sala colorida, recheada de livros.

Nada tenho contra tablets e canais de televisão que só passam bonecos. Acredito que tudo deve ter o seu espaço. Apenas lamento não me ter lembrado de uma coisa tão básica mais cedo.

O estímulo da imaginação e da curiosidade vingará sempre. Basta observar a cara dos gaiatos aquando do início da história – que começa sempre com uma pequena canção e ao som de uma caixinha de música. O ambiente colorido, a plateia em escada que promove a proximidade física e o consequente bom comportamento (ou não!), as paredes pintadas com letras e bonecada, a giríssima estante com livros abertos. O cenário perfeito.

Os miúdos contentes e interessados.

A imaginação a fluir.

Eu a babar-me, pasmado com a simplicidade disto tudo.

Limpo a baba à manga da camisa e começo a observar o meu filho, completamente encantado com o que se está a passar. Não é a primeira vez que o observo, pelo que já vou sabendo o que a sua expressão transparece. Naquele dia, tive a sensação de que conseguia ver aquele pequeno cérebro a matutar, enquanto tentava desvendar o porquê do entusiasmo da contadora e, claro está, não perder o fio à meada.

No dia seguinte, não só se lembrava do nome das personagens, como me fez uma série de perguntas sobre a história que tinha ouvido. Dizer que fiquei entusiasmado quando o meu filho me perguntou se podíamos ir outra vez seria um eufemismo. Acho que fiquei mais contente do que ele.

Ao perceber que é um evento que decorre todos os dias, fiquei menos indignado com a fraca afluência da nossa primeira visita. Afinal, se não contarmos a filha da contadora, estavam apenas duas crianças e respectivos pais. Plateia fraca, numa sala que se quer cheia.

Foi então que decidi limar a ponta dos dedos e começar a teclar no vidro do telemóvel: tornou-se imperativo formar um novo exército de soldadinhos de palmo e meio, e proceder à invasão da Hora do Conto, na semana seguinte. Não precisei de insistir muito. Afinal, qual é o pai que não reconhece as mais-valias da leitura?

Volvida uma semana, o recrutamento foi um sucesso, e consegui levar uma mão cheia de crianças à Hora do Conto. Desta feita, a plateia estava bem mais composta. Mais gozei eu, e mais gozaram os meus amigos pais, ao verem os seus rebentos encantados com a magia de uma boa história.

Tirámos fotografias, gravámos uns vídeos, mas sobretudo prestámos atenção! É curiosa, a forma como uma coisa tão simples nos consegue deixar boquiabertos. É de lamentar, a facilidade com que, na constante azáfama em que vivemos, nos esquecemos destes pequenos pormenores. A leitura fomenta a curiosidade (primeiro sinal de inteligência), faz desabrochar a imaginação e aumenta, ao mesmo tempo, os níveis de felicidade de quem lê.

Não são precisos estudos científicos para saber isso. Tal como não é necessário nenhum diploma em comportamento humano para perceber o bem que faz a uma criança a leitura, o brincar na terra e sujar as mãos, a liberdade de arranhar os joelhos e de sorrir depois de uma queda (ou de chorar, mas por pouco tempo!). A realização do mundo que nos rodeia faz-se, sobretudo, através do conhecimento. A meu ver, que longe estou de ser um pedagogo, a melhor forma de adquirir conhecimento é através da interacção. Estar sentado à frente da televisão não é necessariamente negativo. Mas estar sentado à frente de alguém a contar uma história é SEMPRE positivo.

Apesar de não serem necessários, esses estudos existem. Os benefícios da leitura estão cientificamente comprovados por cientistas de renome como Queirós, Pessoa e até do nobilizado Saramago. É senso-comum que a leitura combate, da forma mais eficaz possível, a ignorância.

Entretanto, a única coisa que lamento, no meio disto tudo, é ainda não ter recebido nenhuma mensagem dos pais, a perguntar: “Quando vamos outra vez?”. Mas não faz mal. Se ninguém disser nada até domingo, convido eu outra vez! Até porque o meu filho prefere ir com os amigos, do que só comigo.

Que boas que foram estas duas experiências. Que bem que me senti ao ver o meu gaiato curioso e a fazer perguntas. Que orgulho sinto no facto de, apenas com quatro anos, já ter um cartão de leitor.

Obrigado à biblioteca de Faro pela iniciativa. Obrigado aos miúdos, pela cor que dão à nossa vida com os seus sorrisos, com o seu olhar sonhador, com a sua insaciável curiosidade.

Enquanto estou na Hora do Conto, consigo ver a bola colorida do Gedeão a saltitar de um lado para o outro. É uma bola com todas as cores do arco-íris. As crianças seguem-na com os olhos, inocentes, pasmadas com aquela miscelânea de cores, qual representação das suas imaginações férteis, das suas perguntas por responder. Todas, sem excepção, sorriem.

 

E eu também.

 

 

Até para a semana!

3 Replies to “A Hora do Conto”

  1. Que bela lembrança, Rui. Também eu vou levar o meu mais pequeno à Hora do Conto. Só é pena que, deste lado, não haja tanta frequência como na tua biblioteca.
    Sempre bom ler os teus pensamentos e inspirações.

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  2. Parabéns pelo recrutamento desses soldadinhos tão especiais. Essa hora torna-se mágica, recheada de imaginação e curiosidade. Que bom é, alimentar os sonhos.
    A hora do conto na biblioteca de Loulé, permitiu que a minha filhota, amasse ler, que também ela quisesse contar uma história, viajando pelas páginas e, que ainda hoje, crie os seus próprios contos.
    Bigada pela partilha.

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